Com trabalhos realizados no Lesoto, Zâmbia e África do Sul, entre outros, o antropólogo norte-americano James Ferguson, da Universidade de Stanford, defendeu uma maior atenção da antropologia ao tema da distribuição, em conferência realizada na última quinta-feira (28) na 34a reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Em sua fala, ele afirmou os programas de distribuição de renda e de renda mínima como promotores do desenvolvimento em regiões pobres e como meio de reconhecimento da cidadania.
Distribuir os recursos seria uma questão de justiça tão válida em países ricos como pobres. “No Alaska, a população recebe uma renda distribuída pelo Estado como sua parte nos lucros derivados da exploração do petróleo. Na Noruega, a renda é distribuída pelo simples fato de todos serem cidadãos. Porque isso não é válido para os países africanos, tão ricos em mineração?”, questiona.
Ferguson defende os sistemas de renda mínima universalizados em lugar dos programas focalizados, que são voltados especificamente aos idosos, às crianças ou aos de mais baixa renda. Segundo ele, esse tipo de benefício direcionado custa mais caro, por causa da burocracia para evitar fraudes, e pode dar origem a injustiças que vitimam famílias que não se encaixam nos requisitos mínimos, mas igualmente necessitam dos benefícios. “Mesmo um valor muito pequeno, como 16 dólares por exemplo, faz com que as pessoas se sintam reconhecidas pelo Estado, leva a mudanças econômicas significativas e é um ponto de partida para que o benefício seja aumentado a partir de pressão popular”, aponta.
A partir de exemplos coletados em países do sul da África, Ferguson afirma que o trabalho não assalariado está crescendo nas regiões urbanas e diz que há equívocos na classificação dessas pessoas, tanto à esquerda quanto à direita do espectro político. “A esquerda os vê como trabalhadores desempregados, enquanto a direita os vê como micro empreendedores”, lembra o antropólogo, questionando a ideia de informalidade. “Eu não falaria em informalidade, mas em sobrevivência improvisada”.
Ao afirmar a antropologia como importante na análise dos problemas envolvendo a distribuição de recursos, Ferguson conta uma pequena história que mostra a insuficiência das categorias de análise em utilização hoje. “Após a crise da mineração na Zâmbia, muitos trabalhadores migraram para os centros urbanos. Com qualificação, mas sem empregos, muitos vivem de comprar cigarros em maço e vendê-los por unidade, avulsos”. Para as estatísticas, esse tipo de trabalhador está empregado e é um micro-empresário.
Em típica análise antropológica, o pesquisador criticou e dissecou o famoso provérbio chinês: "Antes de dar comida a um mendigo, dá-lhe uma vara e ensina-lhe a pescar". Segundo Ferguson, aceitar o provérbio significa aceitar que o problema dos pobres é uma mera questão de conhecimento, como se ele não fosse capaz de sobreviver e necessitasse que alguém os ensinasse. Além disso, o provérbio aponta para a direção errada, ao afirmar que o problema deriva da falta de produção, da necessidade de se pescarem mais peixes. Ao contrário, o problema da pobreza derivaria muito mais de uma questão de distribuição dos recursos.
Ferguson usa de um autor clássico da antropologia, Marcel Mauss – autor, entre outros, de Ensaio sobre a dádiva -, para dizer que o caminho de saída para crise atual, iniciada em 2008 e que lembraria em muito a crise da década de 1930, não é combater o mercado mas fortalecer o papel distributivo do Estado. A solução, na época, passou pela alteração do pêndulo em direção ao trabalho e distanciando-se do capital. “Mauss já nos mostrou que o mercado via além do capitalismo e é uma instância essencial de socialização”, conclui o antropólogo.
Fonte: http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=3¬icia=664
Nenhum comentário:
Postar um comentário