O físico João Magueijo assume o papel de jovem revoltado da física e questiona pilares da Teoria da Relatividade de Einstein
Michael Brooks escreve para a revista 'New Scientist':
Quando o físico João Magueijo sugeriu que se acabasse com o postulado básico da relatividade - o de que a velocidade da luz é constante e insuperável -, colocou sua carreira em risco. Magueijo sobreviveu, mas, em seu livro, vai ainda mais longe.
Além disso, revela o pouco caso com que vê as bases da ciência moderna. Ele acha, por exemplo, que a revisão por pares é em grande medida inútil.
João Magueijo faz parte do Grupo de Física Teórica do Imperial College, em Londres.
Ele encontra inspiração para suas idéias incomuns em lugares incomuns: na praia, no encrave hippie de Goa, com dançarinos em êxtase saudando o Sol, caminhando debaixo de chuva em Cambridge ou conversando a noite inteira num bar em Notting Hill.
Sua meta principal: levar suas idéias ao tribunal da experimentação no menor prazo possível.
O que fez você virar rebelde?
Talvez tenha sido o fato de eu ter crescido em Portugal no período pós-revolucionário. O que aconteceu depois da revolução de 1974 em Portugal foi a anarquia. Sei que foi rotulado de comunismo, mas foi anarquia total.
E isso moldou a maneira como você aborda a ciência?
Acho que sim. Fui expulso do colégio e do catecismo, tive problemas no exército, me meti em confusão em todo lugar. Depois fiz parte de um grupo trotskista.
... e decidiu derrubar Einstein?
Sinto enorme respeito por Einstein. Ele é meu herói. Quando eu tinha 11 anos, meu pai me deu um livro fascinante escrito por Albert Einstein e Leopold Infeld. Infeld era um cientista polonês que trabalhou com Einstein em vários problemas importantes nos anos 1930. Einstein começou a atuar como seu mentor. Quando ficou claro que os alemães iam invadir a Polônia, naturalmente Einstein tomou a si a responsabilidade de tentar salvar seu amigo. Mas, no final dos anos 1930, ele já tinha ajudado tantas famílias judias a imigrar que suas garantias pessoais acerca dessas pessoas tinham perdido o valor perante as autoridades americanas, que ignoraram seus pedidos por Infeld. Einstein tentou encontrar para Infeld uma cadeira de professor numa Universidade americana, mas também essa tentativa fracassou. As perspectivas de Infeld eram muito sombrias. Desesperado, Einstein teve a idéia de escrever um livro de ciência popular a quatro mãos com Infeld. Foi 'The Evolution of Physics' (A Evolução da Física) - o livro que, muitos anos depois, por sua beleza singular, me levaria a querer estudar física-, escrito às pressas, em apenas dois ou três meses. O livro virou sensação enorme e levou Infeld a tornar-se repentinamente desejável aos olhos das autoridades americanas. Não fosse o sucesso alcançado por esse livro, é muito provável que Infeld tivesse se esvaído em fumaça em algum inferno nazista.
Quer dizer então que você sente respeito imenso pelos trabalhos de início de carreira de Einstein, mas nem tanto por seu trabalho posterior?
É isso mesmo. A visão dele de que a beleza matemática é importante é responsável por toda a baboseira sobre teorias 'elegantes' na teoria de cordas. Einstein não era assim quando era jovem. De qualquer maneira, a teoria de cordas é uma das coisas menos elegantes do mundo. Esses teóricos simplesmente apostam num enorme complexo de inferioridade, dizendo que foi abençoado por Deus ou algo assim. Não dou a mínima para a elegância. Você começa com uma motivação experimental, faz alguma coisa interessante e então traça uma previsão que pode ser testada. Isso é ótimo. Essa coisa de elegância é auto-indulgência, nada mais.
Para fazer algo de significativo em ciência é preciso seguir seus instintos básicos. É nisso que você acredita?
Pegar o bonde andando é quando alguém importante diz que você deve fazer alguma coisa, e todo o mundo, velho ou jovem, pula em cima do bonde. Mas, sim, se você quiser fazer algo de novo, precisa ter a coragem de dar um salto.
Pular para fora do bonde é arriscado. Se você sugerir algo tão radical quanto uma velocidade de luz variável, não poderia ser o suicídio de sua carreira?
É verdade. Talvez eu não tivesse agido com tanta tranquilidade se não contasse com esta bolsa de estudos da Royal Society, que me proporciona uma rede de segurança por dez anos. Durante esse prazo, posso ir a qualquer lugar e fazer o que eu quiser, desde que seja produtivo.
Quer dizer que você tem liberdade para ser o 'jovem revoltado' da física?
Talvez a impressão que se tenha é que sou amargo e ressentido, mas, se você está lendo um livro, a linguagem corporal se perde. Você está falando comigo cara a cara e pode ver que, na realidade, estou brincando com tudo isso. Não sou um jovem revoltado, estou apenas sendo franco. Não há ressentimentos. Posso dizer coisas ofensivas, mas faço tudo sem a intenção de ofender.
Então por que a velocidade da luz deve variar?
A questão real é: 'Por que a velocidade da luz deve ser constante?' A constância da velocidade da luz é a premissa básica da relatividade, mas temos muitos problemas na física teórica, e esses provavelmente resultam da premissa de que a relatividade funcione o tempo todo. A relatividade deve entrar colapso em algum momento no princípio do Universo, por exemplo.
Como você chegou a essa idéia?
Quando eu atravessava os gramados do St. John's College em Cambridge, numa manhã chuvosa, me veio à cabeça a idéia de que, se estamos confusos por causa da relatividade, uma velocidade da luz que fosse variável talvez seja a resposta. Valia a pena tentar.
Isso foi três anos atrás. Sua teoria já chegou ao ponto de ser aceita?
Depende de o que você quer dizer com 'aceita'. Um periódico me encomendou um grande artigo sobre o assunto. E já nos tornamos respeitáveis, pelo menos na medida em que um grande número de pessoas já está trabalhando sobre a teoria.
Deve ser levada a sério a idéia de que a velocidade da luz é variável?
Ainda não sabemos. Ainda não é certo. A velocidade da luz variável [VLV] começou com apenas uma idéia, e ela não tinha alcance especialmente longo. Era a solução de um problema cosmológico -grande coisa! Mas é fascinante o fato de que a teoria vem se desdobrando em direção à gravidade quântica. Estou muito entusiasmado, mas a teoria pode acabar se mostrando certa ou pode mostrar que está errada. Em última análise, está nas mãos da natureza.
Então você não ficará arrasado se for constatado que a teoria da VLV está errada?
A idéia inicial nunca é a forma final da idéia -ainda é uma obra em andamento. Havia um grande furo na teoria: a VLV não funcionava como teoria capaz de descrever as variações na radiação cósmica de fundo em microondas. Nos últimos meses, porém, superamos esse problema. Mas não tenho problema algum em ir trabalhar com outra coisa. A VLV não é uma religião, não é um partido político.
Como a teoria das cordas, você quer dizer? Em seu livro, você tratou os teóricos das cordas com grosseria.
Não tratei, não!
Mas você se refere às cordas no universo deles como o 'púbis cósmico'. Você sugere que haveria ali algo representativo de 'masturbação'.
Acho que se atribui importância demais à teoria das cordas. É possível que a resposta final tenha algo a ver com ela, mas, a julgar pelo que seus proponentes realizaram até agora, não é essa a impressão que se tem. Ela é tão distante de qualquer coisa que possa ser testada que não pode ser descrita como uma teoria científica. Algumas idéias muito boas saíram dela, mas, na realidade, elas são aviõezinhos de aeromodelismo -são idéias bonitas, não teorias físicas. Eu não teria dito nada se eles só ficassem brincando com seu joguinho. Mas eles enfeitam a idéia toda, como se ela fosse a resposta final para tudo.
Já que estamos falando em grosseria, por que você é tão mordaz quando fala de periódicos acadêmicos?
Acho que eles não têm futuro. São uma perda de tempo. Não leio um periódico desses há anos. O futuro está na internet. Os arquivos da internet não fazem uma filtragem para excluir as coisas boas, e as coisas que não prestam também estão lá, assim como estão nos periódicos. No futuro, as pessoas publicarão seus artigos apenas em arquivos da internet.
Isso certamente mudaria a maneira como avaliamos a ciência. Como ficaria a revisão feita por pares?
A revisão de pares não quer dizer nada. O sistema vem se desintegrando há anos. Ele equivale a relatórios de árbitros ['referees]'. Ou eles conhecem você e gostam de você, ou o conhecem e não gostam de você. Se não o conhecem, então depende da instituição onde você está. O sistema se tornou corrupto nesse aspecto. Hoje em dia, eu frequentemente me recuso a ser árbitro. Às vezes me mandam três ou quatro artigos por semana para julgar. Não há como fazer um trabalho decente. Eu não deveria dizê-lo, mas, já que os trabalhos deveriam estar nos arquivos de qualquer maneira, às vezes eu simplesmente aceito tudo. Não vejo por que rejeitar um artigo, a não ser que ele seja cientificamente muito ruim.
Como podemos saber o que é cientificamente bom e o que não é?
Para o cientista, é óbvio. Você lê um resumo e sabe imediatamente o que está acontecendo, se o trabalho vale a pena ser lido ou não. Não é preciso nenhum árbitro para lhe dizer isso. Na maioria dos casos, os árbitros são pessoas realmente conservadoras, que rejeitam tudo. Entretanto, em alguns relatórios positivos que vi, fica claro que o árbitro não leu o artigo. Na realidade, prefiro as rejeições. Pelo menos assim eu sei que leram meu artigo.
Mas como outros setores -por exemplo as agências que buscam verbas para a ciência- podem discernir o que é ciência válida?
É mais complicado. Elas poderiam perguntar para alguém bem-informado. Mas acho que, se o dinheiro fosse enviado diretamente aos cientistas, sem passar pelas agências de financiamento, haveria menos desperdício, de qualquer maneira. A gente poderia decidir na cara ou coroa, em lugar de ter comitês intermináveis decidindo quem recebe o quê.
Sim, seu livro deixa claro que você não é fã da burocracia da ciência. Você diz que os administradores do Imperial College exploram seus cientistas. Será que você ainda terá emprego depois que o livro for publicado?
De acordo com os advogados da editora britânica do livro, sim. Mas eu disse o que precisava ser dito. Há multidões de problemas, não apenas no Imperial College, mas com o mundo acadêmico britânico de modo geral. As consultorias administrativas mandam na ciência. No Imperial College, com certeza, houve um aumento muito grande nos níveis administrativos. Não precisaria ser assim: o novo Instituto Perimeter, em Ontário, onde Lee Smolin trabalha, está tentando algo diferente, com o mínimo possível de administradores. Não sei se vai funcionar, mas fico feliz por alguém estar tentando.
O que você pretende fazer agora?
Uma das coisas que eu observo no livro 'Faster Than the Speed of Light' é que, após uma certa idade, você pára de fazer ciência de boa qualidade. Não sei o que vai acontecer quando eu ficar velho e parar de fazer ciência de qualidade. Eu não acharia ruim a idéia de virar escritor. Não quero dizer escritor de ciência popular -eu gostaria de escrever romances, ficção. É uma maluquice, uma aposta no escuro, mas uma coisa é certa: não vou virar burocrata da ciência. (Tradução de Clara Allain)